
Imagine a seguinte situação: você está na rua e precisa ir ao banheiro. Procura um local público, identifica na porta se é masculino ou feminino e pronto, entra e resolve sua necessidade. Uma cena tão comum do dia a dia que a gente nem para pra refletir. Agora pense numa outra possibilidade: você está na rua com a sua avó ou avô (do sexo oposto) e ele precisa usar o banheiro com a ajuda de alguém. O que você faz? Pede auxílio a um estranho? Deixa o seu avô em apuros? Acontece todos os dias, em todos os lugares, com cadeirantes, pais com crianças e também com transexuais, travestis e transgêneros.
A discussão sobre os chamados banheiros sem gênero é antiga, já gerou muita polêmica em diversas cidades brasileiras, inclusive Florianópolis, onde em 2013 um projeto de lei de autoria do então vereador Deglaber Goulart causou reações negativas na sociedade. As críticas eram de que o chamado banheiro “unissex” reforçava o preconceito, principalmente porque o uso de crianças era proibido e o político deixava clara a motivação na época de que o objetivo era impedir o público trans de optar pelo gênero que se sentisse mais à vontade.
De uma maneira geral a criação de banheiros com livre acesso para qualquer pessoa sempre foi entendida como algo para favorecer um público específico, LGBTS, mas em vários países do mundo essa discussão já evoluiu para um viés mais democrático e da educação. Na Europa virou realidade na Holanda, Alemanha e em Malta. Em Nova York até houve a tentativa de sancionar uma lei, em 2016, obrigando banheiros individuais a serem unissex, mas a ação causou protestos por parte de americanos mais conservadores, inclusive de gestores de outros Estados, como Carolina do Norte e Mississipi.
No Brasil alguns locais já adotaram, outros estão tramitando leis e alguns se recusam totalmente. Em agosto do ano passado, a PUC de São Paulo virou notícia ao criar seu primeiro banheiro unissex na unidade de Perdizes e reafirmou que a medida era voltada para a comunidade como um todo e não para favorecer o público trans.
Parece claro que, mais cedo ou mais tarde, a tendência dos banheiros sem gênero irá se espalhar mundo afora, inclusive por aqui. Tanto que o projeto de um jovem estudante de arquitetura de Navegantes levou o primeiro lugar num concurso nacional da maior fabricante de louças e metais sanitários do Brasil. Como prêmio ele ganhou o direito de expor seu trabalho na principal mostra de decoração do país, a Casa Cor, que está encerrando neste fim de semana em Itapema.
Durante mais de 40 dias Jeferson Branco pôde acompanhar a reação do público que frequentou o banheiro sem gênero da mostra. O projeto executado lá foi adaptado para o ambiente, já que a proposta vencedora do concurso era de um banheiro unissex dentro de uma estação de metrô. Apesar das diferenças, Jeferson, que na semana passada apresentou seu trabalho de conclusão de curso e está se formando, não tem dúvidas de que o futuro será sem divisões, tanto por uma questão de respeito quanto de economia e sustentabilidade, como ele explica nesta entrevista especial à Revista Versar.

Eu participei de um concurso nacional onde precisava projetar um banheiro para metrô e fiquei em primeiro lugar. Acredito que o que tenha dado notoriedade ao meu projeto tenha sido trabalhar com esse conceito sem gênero, que está ganhando força principalmente fora do país por garantir o direito de ir e vir à sociedade como um todo, muito além da questão dos transgêneros. É um ambiente que abraça a sociedade, ele é adaptado com fraldário para um pai que esteja com a sua filha, para cadeirantes que possam precisar do auxílio de uma pessoa de outro sexo, ou mesmo um idoso nessa mesma situação.
Sim, porque a gente vai muito além da inclusão de pessoas transgênero, que também é de extrema importância, mas a proposta é garantir o acesso à sociedade como um todo, seja num aeroporto, num shopping ou numa universidade. Eu acredito que a arquitetura tem a responsabilidade de responder às mudanças comportamentais e cultura é algo mutável, a sociedade está em constante mudança, a arquitetura tem o dever de responder de uma forma segura e confortável para o usuário.
Uma responsabilidade enorme principalmente por ser o meu primeiro ambiente executado na vida, então foi um desafio muito grande de acompanhamento de obra, de estabelecer parcerias num mercado que eu ainda não estava inserido e concretizar tudo da forma que foi idealizado o projeto. Fizemos dentro do tema da mostra, da casa viva, um ambiente mostrando que diante da natureza não temos diferenciação, somos todos iguais.
Optei por materiais mais crus, que remetem a materiais naturais, como porcelanato que imita madeira, uso de pedras, concreto exposto, uma coisa mais rústica para recriar esse habitat natural, livre de qualquer tipo de discriminação. Também usei materiais mais neutros, que não tendem nem para o masculino nem para o feminino e a gente trouxe uma brincadeira com neon nas cores azul e rosa para reafirmar ao usuário que ele estava entrando no lugar certo e não gerar confusão já que culturalmente não estamos acostumados a utilizar o banheiro dessa forma.

Eu procurei trabalhar com alguns métodos da Arquitetura para garantir maior segurança e conforto para o usuário. Por exemplo, geralmente os banheiros têm aquelas aberturas embaixo e em cima nas divisórias, no meu projeto eles são fechados do teto ao chão garantindo total privacidade. As portas foram pensadas de modo a não ficar qualquer tipo de fresta, então fica completamente vedado o ambiente. As divisórias entre as cabines são feitas de MDF duplo com espaçamento de ar para um maior isolamento acústico. Saindo das cabines, na área de uso comum das pias, fizemos um espaçamento bom para evitar esbarrão.
Além de garantir o acesso para a sociedade como um todo, o simples direito de ir e vir, tem ainda toda uma questão de racionamento de custos, de infraestrutura numa obra. Hoje muitos lugares fazem até um terceiro banheiro, que é o banheiro família, gerando maior custo. E a gente consegue reunir tudo numa estrutura só. Já a maior dificuldade acredito que seja a parte cultural mesmo, tudo que é mudança gera algum tipo de desconforto, então é uma questão de se adaptar e entender que é uma simples questão de respeito, de espaço, de educação. O meu direito começa onde termina o seu.
Assista ao vídeo com a entrevista:
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