
O cineasta italiano Federico Fellini já dizia: “o cinema é um modo divino de contar a vida”. E parece que boa parte dos filmes exibidos no Festival Varilux de Cinema Francês 2018 vieram com a missão de reforçar esse compromisso entre realidade e ficção. O festival começou nesta quinta-feira (07) em 88 cidades brasileiras, entre elas, Florianópolis.
Em tempos de caça a direitos sociais e políticos, de um coro que engrossa a homofobia e do crescente posicionamento da mulher frente ao patriarcado, muitas produções francesas decidiram abraçar essas temáticas e propor a reflexão. Atores, diretores e produtores desembarcaram no Rio de Janeiro para apresentar seus trabalhos na abertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2018.

O longa-metragem Marvin, inspirado no livro Para Acabar com Eddy Bellegueule, mostra a infância e a transição da adolescência para a fase adulta de um menino que sonha ser ator. O personagem vive em uma aldeia no interior da França e é preterido pela família, sobretudo pelo pai, por ser tímido e afeminado. Para o protagonista Finnegan Oldfield, o cinema deve assumir um acordo de transformação de uma sociedade cada vez mais intolerante e homofóbica.
– Eu nunca tinha vivido um personagem gay no cinema, mas uma coisa que sempre me tocou e emocionou é essa sensação de ser rejeitado pela própria família. Não sou gay e acho que todos nós em algum momento da vida nos sentimos rejeitados de alguma forma. Mas por um motivo desses… Nesse contexto, o filme não foca na orientação sexual do personagem, e sim em como toda a família pode superar a homofobia e reconstruir laços de afeto – explicou Finnegan, em entrevista à Versar.
Segundo o ator, uma estratégia eficaz para abordar a questão LGBT no cinema é contar histórias sem julgamentos.
– Acho que muitos roteiristas e diretores estão acertando ao contar suas histórias sem julgar ou crucificar os personagens. Sem maniqueísmo sobre quem está certo ou errado. Em Marvin, o pai do personagem principal, que é o típico pai durão e machista, é visto sob a ótica da humanização. A ideia é sensibilizar aquele homem para as pessoas enxergarem uma mudança de postura com ternura. Porque é disso que estamos precisando – reflete o ator, que é uma das promessas da nova safra do cinema francês.
No longa Primavera em Casablanca, ambientado na cidade de Casablanca, a maior do Marrocos, o diretor Nabil Ayouch narra cinco histórias que se passam durante a Primavera Árabe, um levante de jovens que derrubou ditaduras no Oriente Médio em 2010. O longa aponta a convergência entre religiosidade e legislação ainda muito forte no país e reflete sobre os motivos que levaram ao levante, ainda tão atuais em diversos países do mundo, mesmo oito anos depois: atraso cultural, ditaduras, desemprego, pobreza, intolerância religiosa e a tradição milenar de negar direitos às mulheres. Todos esses pontos são retratados pelos personagens em cena.
– Eu moro no Marrocos, em Casablanca, há 20 anos. Decidi fazer cinema para reconquistar parte de uma identidade que nunca foi adquirida ou vivida no meu país – explicou Nabil, que enxerga uma grande proximidade entre a atual situação do Brasil e Marrocos.
– Acontece exatamente a mesma coisa no Marrocos. Vemos os discursos de ódio por parte de religiosos ganhando força, os direitos civis e das minorias sendo constantemente questionados ou aniquilados, assim como o crescimento da homofobia e da xenofobia. Estes movimentos são cada vez mais comuns na América Latina, na América do Norte, na Europa, e nos países árabes, de maneira mais ou menos sutil. O quadro é preocupante em todo o mundo. Mas a grande diferença entre Marrocos e Brasil é que vocês achavam que determinadas coisas já estavam conquistadas e que não iriam mudar, mas mudaram. Já no Marrocos há lutas que ainda nem começaram – afirmou.
Para Nabil, o cinema é um eficiente meio de contestação e de resistência política que deve ganhar mais terreno.
– É a mais linda das armas. No Marrocos, 40% da população é analfabeta. E pior, quem sabe ler está lendo menos. Os grandes autores estão perdendo espaço para os canais de televisão cada vez mais medíocres e para a Internet, que pode ser incrível e decepcionante ao mesmo tempo. Então, por conta da imagem e pelas sensações que provoca, o cinema pode sim ter um papel fundamental na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. De 10 anos para cá, alguns polos árabes vêm encorajando a emergência de talentos do cinema. Também estão crescendo festivais como os de Marrakech, Dubai, Abu Dhabi… Mas ainda há um grande obstáculo a vencer, que é a censura dos governos. Filmes como Primavera em Casablanca, que marcam um posicionamento, acabam tendo que buscar incentivos na Europa – explicou.

Em O Poder de Diane, o grito de liberdade das mulheres foi representado pela veia do humor. Diane, personagem vivida por Clotilde Hesme – ganhadora do César (o Oscar do cinema francês) de Melhor Atriz Revelação em 2018 – dá vida a uma mulher solteira convicta, que gera o filho de um casal de amigos gays. Nas cenas, fica visível a forma não sentimental que ela leva a gravidez, o que abre um leque para questionamentos sobre o mito do instinto maternal.
– É interessante que no filme se redefine um pouco a noção de homem e mulher. O roteiro brinca muito com a parte feminina do homem através do casal de gays que quer ser pai, e com a parte masculina da mulhere, representada pelo não envolvimento emocional entre a Diane e o bebê que espera. Eu tenho filhos, mas particularmente não acredito em instinto maternal. E acho, inclusive, que essa história é uma invenção dos homens para nos tolir – ponderou Clotilde, aos risos.
Tanto para a atriz, quanto para o diretor do longa, Fabien Gorgeat, o filme marca um posicionamento cada vez mais comum no universo feminino.
– É bonito enxergar no longa esta nova mulher, que não precisa de um relacionamento ou de um filho para desabrochar e ser feliz – conclui Fabien.
Para conferir a programação completa dos filmes do Festival Varilux de Cinema Francês 2018 em cartaz nos cinemas de Santa Catarina, acesse: variluxcinefrances.com
*A repórter viajou ao Rio de Janeiro a convite do Festival Varilux de Cinema Francês 2018
Serviço:
O quê: Festival Varilux de Cinema Francês
Quando: 7 a 20 de junho de 2018
Outras informações: www.variluxcinefrances.com.br
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